Senta-te.
Mergulha o teu olhar nesta imensidão de azul onde não se encontram mais obstáculos. Perde-te até ao infinito nesta transparência irreal e quase vazia.
Calmamente deixa o azul dominar-te. Suavizar a realidade.
Alterna agora, no azul, o dia e a noite e vagueia serenamente nessa contradição que dá ritmo à vida.
Já entraste nela?
Reparaste agora na viola? Ela espera os teus dedos.
Ouço já as notas a fugirem dela. Parecem-me sons do Mestre. “Mudar a vida” grita a guitarra. De além, surge agora um som de metal que a acompanha e se enleia na perfeição com os sons dos teus dedos e do teu corpo que, debruçado sobre a viola, vibra como se fosse mais uma corda só.
Elevas brevemente os olhos agora. É daquela nuvem mais alta que te aceno e tu sorris-me com os olhos.
Nesta transparência irreal voo já em direcção a ti. Destemida.
Indiferente aos ventos toco-te, agora, levemente na mão que se move no braço da viola. E, tu, vibras ainda com mais intensidade. Largas então a viola e agarras-me pela cintura. Dali flutuamos juntos para o laranja e o vermelho de fogo. Saciar os corpos é agora o objectivo, que a alma, essa, inebriou-se, aqui, de azul.
Deixem-me romper este silêncio
que nele não há espaço bastante
para guardar o corpo em chamas
Deus inventou os poetas
e os poetas descobriram as palavras.
Os amantes servindo-se das palavras
conjugaram o verbo amar
Verbo dum tempo infinito,
esgotado em cada grito da paixão,
que logo se renova para estilhaçar a solidão
Deixem-me romper este silêncio
feito de mil palavras repetidas,
vezes e vezes sem conta,
sem sentimento,
sem verdade e sem cor
IMB
Em todas as almas há coisas secretas cujo segredo é guardado até à morte delas. E são guardadas, mesmo nos momentos mais sinceros, quando nos abismos nos expomos, todos doloridos, num lance de angústia, em face dos amigos mais queridos - porque as palavras que as poderiam traduzir seriam ridículas, mesquinhas, incompreensíveis ao mais perspicaz.Estas coisas são materialmente impossíveis de serem ditas. A própria Natureza as encerrou - não permitindo que a garganta humana pudesse arranjar sons para as exprimir - apenas sons para as caricaturar. E como essas ideias-entranha são as coisas que mais estimamos, falta-nos sempre a coragem de as caricaturar. Daqui os «isolados» que todos nós, os homens, somos.
Duas almas que se compreendam inteiramente, que se conheçam, que saibam mutuamente tudo quanto nelas vive - não existem. Nem poderiam existir. No dia em que se compreendessem totalmente - ó ideal dos amorosos! - eu tenho a certeza que se fundiriam numa só. E os corpos morreriam.
Mário de Sá-Carneiro, in "Cartas a Fernando Pessoa"
Aquilo que de verdadeiramente significativo podemos dar a alguém é o que nunca demos a outra pessoa, porque nasceu e se inventou por obra do afecto.
O gesto mais amoroso deixa de o ser se, mesmo bem sentido, representa a repetição de incontáveis gestos anteriores numa situação semelhante. O amor é a invenção de tudo, uma originalidade inesgotável. Fundamentalmente, uma inocência.
Fernando Namora, in 'Jornal sem Data'
"Primeiro título pensado para A Insustentável Leveza do Ser: «O Planeta da Inexperiência». A inexperiência como uma qualidade da condição humana.
Nascemos uma vez por todas, nunca poderemos recomeçar uma outra vida com as experiências da vida anterior. Saímos da infância sem sabermos o que é a juventude, casamo-nos sem sabermos o que é ser casado, e mesmo quando entramos na velhice, não sabemos para onde vamos: os velhos são crianças inocentes da sua velhice. Neste sentido, a terra do homem é o planeta da inexperiência."
Milan Kundera, in "A Arte do Romance"
"O passado é um labirinto e estamos nele, um passado não tem cronologia senão para os outros, os que lhe são estranhos. Mas o nosso passado somos nós integrados nele ou ele em nós. Não há nele antes e depois, mas o mais perto e o mais longe. E o mais perto e o mais longe não se lê no calendário, mas dentro de nós."
Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar'
"O mistério nem sempre cresce no desconhecido, porque o desconhecido é muitas vezes só isso: pode crescer no conhecido, quando é o seu terrível espanto. O impossível nem sempre nasce do que se não tem, porque o milagre do futuro se acredita: o impossível quase sempre nasce do que se tem, porque se tem e se espera ainda..."
Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar'
Respira. Um corpo horizontal,
tangível, respira.
Um corpo nu, divino,
respira, ondula, infatigável.
Amorosamente toco o que resta dos deuses.
As mãos seguem a inclinação
do peito e tremem,
pesadas de desejo.
Um rio interior aguarda.
Aguarda um relâmpago,
um raio de sol,
outro corpo.
Se encosto o ouvido à sua nudez,
uma música sobe,
ergue-se do sangue,
prolonga outra música.
Um novo corpo nasce,
nasce dessa música que não cessa,
desse bosque rumoroso de luz,
debaixo do meu corpo desvelado.
Eugénio de Andrade
Mais uma música companheira de viagens. Interiores e das outras. Hoje foi mesmo em repetição quase até à exaustão, com o coração a servir de caixa de ressonância daquela voz rouca e sussurada. No pensamento os deves e haveres do partir ou ficar. Há decisões mesmo difíceis de tomar!
A noite não tem braços
Que te impeçam de partir,
Nas sombras do meu quarto
Há mil sonhos por cumprir.
Não sei quanto tempo fomos,
Nem sei se te trago em mim,
Sei do vento onde te invento, assim.
Não sei se é luz da manhã,
Nem sei o que resta em nós,
Sei das ruas que corremos sós.
Porque tu,
Deixas em mim
Tanto de ti,
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.
A estrada ainda é longa,
Cem quilómetros de chão,
Quando a espera não tem fim,
Há distâncias sem perdão.
Não sei quanto tempo fomos,
Nem sei se te trago em mim,
Sei do vento onde te invento, assim.
Não sei se é luz da manhã,
Nem sei o que resta em nós,
Sei das ruas que corremos sós.
Porque tu,
Deixas em mim
Tanto de ti,
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.
Navegas escondida,
Perdes nas mãos o meu corpo,
Beijas-me um sopro de vida,
Como um barco abraça o porto.
Porque tu,
Deixas em mim
Tanto de ti,
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.
Pedro Abrunhosa
O céu ganhou duas novas estrelas há bem pouco. Duas estrelas grandes e cheias de Luz.
Foi com muita dor que as vimos subir. Mas ainda assim elas aqui permancem. Guardadas em corações grandes e naquele ainda pequenino do vosso "homem grande".
E estas mãos trazem-nos à memória dos olhos um bocadinho de cada um de vós.
Que bom seria senti-las aqui agora.
Tudo o resto devo-o à minha mãe.
A minha mãe era uma criatura silenciosa, capaz de se dissimular entre os móveis, de se perder no desenho do tapete, de não fazer o menor alvoroço, como se não existisse; contudo na intimidade do quarto que compartilhávamos, transformava-se.
Começava a falar do passado ou a contar as suas histórias e o quarto enchia-se de luz, desapareciam as paredes para dar lugar a paisagens incríveis, palácios a abarrotar de coisas nunca vistas, países longínquos inventados por ela ou subtraídos da biblioteca do patrão; colocava a meus pés todos os tesouros do Oriente, a lua e tudo o que havia para lá dela, reduzia-me ao tamanho de uma formiga para sentir o universo, desde o mais ínfimo, colocava-me asas para o ver desde o firmamento, dava-me uma cauda de peixe para conhecer o fundo do mar.
As palavras são de graça, dizia, e se apropriava delas, todas eram suas. Semeou na minha cabeça a ideia de que a realidade não e apenas o que se vê à superfície, tem também uma dimensão mágica e se alguém o deseja veemente é legítimo que a exagere e lhe dê cor para que a passagem por esta vida não seja tão aborrecida.
Isabel Allende, in "Eva Luna"
Há uns tempos engripou-se. E agora dói-me a alma.
Fui à farmácia pedir uns analgésicos. Responderam-me que não tinham comprimidos para essas dores.
Vou tentar libertá-la com os amigos. Com os de sempre. Com os recentes. Com os de todas as horas. Com os intímos. Com os das horas felizes. Com os de agora.
Acho que vai mesmo resultar.
Mário Henrique Leiria
"O Alfredo atirou o jornal ao chão, irritadíssimo, e virou-se para mim:
- Estes jornalistas! Passam a vida a inventar coisas, é o que te digo. Então não afirmam que, no Sardoal, foi encontrado um frango com três pernas! Vê lá tu! É preciso ter descaramento.
Ajeitou-se melhor no sofá e, realmente indignado, coçou a tromba com a pata do meio."
Mário Henrique Leiria, mais um dos Contos do Gin Tónico
Uma música companheira de muitas viagens, momentos, medos e angústias.
Só o poema, por si, é um hino. Aos sentidos e aos sentires.
Quando veio,
Mostrou-me as mãos vazias,
As mãos como os meus dias,
Tão leves e banais.
E pediu-me
Que lhe levasse o medo,
Eu disse-lhe um segredo:
"Não partas nunca mais".
E dançou,
Rodou no chão molhado,
Num beijo apertado
De barco contra o cais.
E uma asa voa
A cada beijo teu,
Esta noite
Sou dono do céu,
E eu não sei quem te perdeu.
Abraçou-me
Como se abraça o tempo,
A vida num momento
Em gestos nunca iguais.
E parou,
Cantou contra o meu peito,
Num beijo imperfeito
Roubado nos umbrais.
E partiu,
Sem me dizer o nome,
Levando-me o perfume
De tantas noites mais.
E uma asa voa
A cada beijo teu,
Esta noite
Sou dono do céu,
E eu não sei quem te perdeu.
Pedro Abrunhosa
Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.
Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!
Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...
Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.
David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"
O prazer que tu esperas varia na razão inversa do tempo de o esperares. E da inquietação também. Porque quanto mais esperas e te inquietas, menos prazer ele é. Espera-o no infinito para te não inquietares. E que ele seja depois o prazer que for. Mas o contrário também é verdadeiro.
Vergílio Ferreira, in 'Pensar'
demorado
no topo do teu joelho
Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio
Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo
Não há nadaque disfarce
de ti aquilo que vejo
Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo
E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento
Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas
Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.""
Maria Teresa Horta
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