Herdei do meu pai o sangue forte, porque aquele índio devia ser muito forte para resistir tantos dias ao veneno da serpente e em plena agonia dar prazer a uma mulher.
Tudo o resto devo-o à minha mãe.
A minha mãe era uma criatura silenciosa, capaz de se dissimular entre os móveis, de se perder no desenho do tapete, de não fazer o menor alvoroço, como se não existisse; contudo na intimidade do quarto que compartilhávamos, transformava-se.
Começava a falar do passado ou a contar as suas histórias e o quarto enchia-se de luz, desapareciam as paredes para dar lugar a paisagens incríveis, palácios a abarrotar de coisas nunca vistas, países longínquos inventados por ela ou subtraídos da biblioteca do patrão; colocava a meus pés todos os tesouros do Oriente, a lua e tudo o que havia para lá dela, reduzia-me ao tamanho de uma formiga para sentir o universo, desde o mais ínfimo, colocava-me asas para o ver desde o firmamento, dava-me uma cauda de peixe para conhecer o fundo do mar.
As palavras são de graça, dizia, e se apropriava delas, todas eram suas. Semeou na minha cabeça a ideia de que a realidade não e apenas o que se vê à superfície, tem também uma dimensão mágica e se alguém o deseja veemente é legítimo que a exagere e lhe dê cor para que a passagem por esta vida não seja tão aborrecida.

Isabel Allende, in "Eva Luna"
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1 comentários:

Anónimo disse...

Querida amiga,
Herdar do teu pai ou da tua mãe, seja o que fôr...
Deixa-me rirrrrrr....
Conheço-te bem, assim como o teu pai e a tua mãe.
Mas tu és como és, sem heranças em todos os sentidos.
Sabes uma coisa?
Ainda bem, porque quem herda, nada vale.
(Sabes a quem me refiro!)
Continua assim que vais bem.
Nós somos a nossa melhor herança, é só olhar para o dia de ontem e corrigi-lo.
Bjs.
Paula

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