O poema lírico nasceu de uma roseira.
Não digo que fosse a rosa de cima,
aquela que todos olham,

primeiro que tudo,
pensando em cortá-la para a levarem consigo.
É a rosa nem branca nem vermelha,
a rosa pálida,
vestida com a substância da terra
a que toma a cor dos olhos de quem a fixa,
por acaso,

e ela agarra,
como se tivesse mãos abstractas por dentro das suas folhas.
Colhi esse poema.
Meti-o dentro de água,
como a rosa,
para que flutuasse ao longo de um rio de versos.
O seu corpo,
nu como o dessa mulher que amei num sonho obscuro,
bebeu a seiva dos lagos,
os veios subterrâneos das humidades ancestrais,
e abriu-se como o ventre da própria flor.
Levou atrás de si os meus olhos,
num barco tão fundo como a sua própria morte.
Abracei esse poema.
Estendi-o na areia das margens,
tapando a sua nudez com os ramos de arbustos fluviais.
Arranquei os botões que nasciam dos seus seios,
bebendo a sua cor verde como os charcos coalhados do outono.
Pedi-lhe que me falasse,
como se ele só ainda soubesse as últimas palavras do amor.

(Metáfora contínua de um único sentimento).


Nuno Júdice

3 comentários:

mixtu disse...

talvez, bem no intino ainda se lembre dessas palavras...

abrazos

Anónimo disse...

Colhi esse poema, meti-o dentro de água e pedi-lhe que me falasse de sentimentos, de cumplicidades, de gargalhadas, de mim de ti e de nós

Um beijo

Pedro

Claudia Sousa Dias disse...

Ainda não li nada dele.

Mas amei.


CSD

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