Recortou-se no silêncio aquela mão cheia de palavras.
Súbitas e repentinas.
Saiam por si só sem pensamento a comandar. Só elas se comandavam umas às outras. Encarreiravam-se e enleavam-se entre elas. E despejavam-se por ali, agora, como se a alma tivesse tido um furo e nada detivesse aquela torrente de palavras tão quentes e sentidas.
Tão juntas, agarradas e explodidas como a força telúrica de quem as proferia.
Sofridas. Sentidas. Vividas. E entregues agora.
Do outro lado o espanto. E de tão grande e redondo espanto os olhos fugiram-lhe e agarram-se lá mais à frente.
Racionalizou.
Dali palavra não fugia assim tão livre e escorregadia. Não era ali nem assim que as esperava. Aliás, nunca as tinha esperado. Ou melhor ainda não eram aquelas as que esperava desde a primeira troca. Queria-as, sim, soltas e leves.
Dessas da alma guardara-as há muito também. Trancara-as. Com a jura de nunca mais as deixar fugir. De as manter para sempre prisioneiras para que não se deixasse ferir. Aquela torrente amedrontava. Não as queria receber por as sentir assim tanto também.
E deixou sair um silêncio.
Profundo.
E nele se guardou demoradamente.
Então tocou-lhe ao de leve nos lábios.
E de súbito estendeu as asas. Alongou-as e bateu-as. E foi esse mover de ar que quebrou toda aquela ausência de som que oferecera.
Levantou os pés do chão e assim partiu para numa migração eterna.

Às vezes o silêncio é a mais forte das comunicações.


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11 comentários:

Cleopatra disse...

LINDO!!!

Escreve tão bem que deveria escrever mais...
Escrever é um treino para a alma dizer o que lhe vai...na alma!

Anónimo disse...

Pois "por vezes o silêncio é o mais forte das comunicações", mas também é fonte de angústias, de medos e de indecisões!
Há momentos que é preciso uma boa conversa!

Anónimo disse...

Benvinda, irmã.

Anónimo disse...

Parabéns Eva, está relamente inpirador o seu blog.Bj!

Anónimo disse...

Em mim há momentos em que as palavras não são de graça, há silêncios tão profundos que as palavras não conseguem dizer,há imagens tão fortes que as palavras não cabem.
Parabéns

Anónimo disse...

Ach Götter, meine Brüder!, sagte Goethe. Willkommen, Schwester, an die grösse Brüderschaft der Dichter.

DarkMorgana disse...

Muito, muito bonito...
E tenho eu visto tantos livros por aí editados, de quem não escreve nada...
Le-se e VÊ-SE toda a cena...e o que vem a seguir também...
O choro compulsivo de quem fez jorrar as palavras, de alívio e já de arrependimento... e nó na garganta de quem as calou, com as lágrimas silenciosas a ameaçarem o grito...
Apeteceu-me fazer um poema deste seu texto.
Parabéns

Anónimo disse...

Afortunado daquele que tu amares com tanto sentimento.
bjo
Pedro

Anónimo disse...

Passado o espanto motivado pela torrente das palavras súbitas e repentinas acabadas de ouvir,
Os olhos deixaram de conseguir fixar-se no horizonte
E começaram a dançar suavemente
Ao som dos soluços que se começavam a ouvir
Tendo por companheiras as lágrimas que lentamente brotavam
Tais palavras, ouvidas mas não esperadas, ficaram igualmente trancadas na sua alma e jamais conseguiram fugir.
E feriram as palavras da alma que há muito havia guardado com a jura de nunca as deixar fugir.
Feriram tão profundamente que o sentimento, tão belo e nobre, que as envolviam deixou de viver.
No presente, nada mais resta para além da ausência de som.
A quebrar o silêncio, só alguma lágrima que teime em brotar

Anónimo disse...

" Palavras que se comandam"
Eva: Depois disto, se quiseres apaga o meu comentário. Apenas te quero dizer que o Silêncio é o DOM da palavra de qualquer um, e reportando-me a ti, membro da Justiça, o sabes perfeitamente.
Sabes também que o Silêncio diz muita coisa, será só necessário sabê-lo interpretar.
O Silêncio para mim, é uma forma tanto de : amar; temer; odiar; desprezar; confessar... enfim de dizer tudo!
Mantenhamos o respeito pelo SILÊNCIO.
Com um beijo com muito carinho,
A. Maciel

Cleopatra disse...

É assim que me sinto por vezes.

Tanto quando despejo impropérios, como quando deixo soltar palavras de paixão, de amor há muito presas dentro de mim.

Hoje prefiro voltar a escrever no seu blog a escrever no meu.

Hoje estou mais para as flores amarelas.

Acho que acontece com todos.
Por vezes descobrimos que os outros não são como os idealizamos e o pior é que há muito suspeitavamos disso.

Apetece-me uma explosão de palavras, de sufocos, de revoltas internas...
Hoje nem ouvi o debate que eu queria ouvir... O Loçã e o Cavaco...

Fui jantar fora... coisas de amigos...
Mas nem isso me apetecia...

Hoje apetece-me trancar as palavras com a jura de não as deixar fugir, nunca mais..

Sempre achei que em certas coisas o silêncio era a mais forte das comunicações.

Hoje apetece-me silenciar muitas flores amarelas...para sempre.

Hoje estou em quarto minguante!

Só tenho mais uma coisa para lhe dizer...
E desculpe-me a vaidade...:

Hoje acho que começou de novo a escrever!!!

Parabéns!

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