- Chovia aquela noite...
- Chovia no sonho?
- Oh, Doutor, o senhor sofre mesmo de poesias: então não chove nos sonhos?
- Eu, poesias?
- Não é de agora. O senhor já anda poetando há muito tempo. Por exemplo, quando o senhor me aconselha para eu cortar nas bebidas...
- Acha que isso é poesia?
- Então não é? Cortar-se na bebida? A gente pode cortar nas árvores, cortar na roupa, cortar sei lá onde, mas diga lá, Doutor, que faca corta um líquido? Só a faca da poesia.
- Você anda muito inspirado nestes dias, meu caro Bartolomeu.
- Ah, é verdade! Há ainda mais outra: o senhor diz que beber me faz gota. Sabendo os litros que eu bebo, Doutor, é preciso muita poesia para falar em gota…
In “Veneno de Deus e Remédios do Diabo”, Mia Couto
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