(re-publicando)

Olhei-te pela primeira vez naquele sábado, ao fim do dia. A noite anterior, sabendo-te já cá fora passei-a a imaginar o teu rosto, o teu corpo e a intuir o teu carácter.
Desejava-te forte, lindo e a marcares todos desde o primeiro contacto.
Mas naquele sábado ao olhar-te ali naquela caixa senti-te tão frágil. Queria tocar-te e apertar-te com firmeza contra o meu peito. Sabia que não era possível e aí os sentimentos falaram mais fortes e uma torrente de lágrimas esbarrou mesmo do âmago da alma.
Os dias passaram e vi-te lutar e lutar muito. Venceste batalhas sucessivas e quando se aproximava a final, num sopro inesperado, levantaste-te contra o mundo e num choro sentido conseguiste transmitir: “- Aqui estou eu, com toda a força do mundo e capaz de o enfrentar.” E foi aí mesmo que soube o quão era forte a trave mestra que te tinha dado.
Eu estava ali ao teu lado e pude então abraçar-te contra o meu peito. Procuraste-o como qualquer cria procura a mãe com a sede de a sentir e de se alimentar. Senti então o teu calor e pude explorar-te o corpo enquanto olhava o teu rosto sereno. Tão sereno e tranquilo que desconcertou toda a minha excessiva energia de querer fazer correr o tempo. Quis pará-lo ali. Era só nosso aquele momento. A voragem de te querer tanto fez-me navegar por outras memórias que te fui transmitindo.
E falei-te. Contei-te do quanto te queria. Do quanto me fazias falta. Do quanto esperei para ti. Do quanto era lindo o sol. Do quanto eram lindas as manhãs de nevoeiro que queria partilhar contigo numa praia de mar agitado. Contei-te das fábulas do tempo em que raposas cativam príncipes que viajavam de planeta em planeta, que cuidavam de flores e que admiravam os embondeiros. Falei-te do futuro. Do meu, do teu e do nosso. Do tanto que queria para ti, do que podias dar e do quanto isso era difícil e fácil ao mesmo tempo.
O tempo foi correndo e esta nossa ligação foi-se fortalecendo. Ao meu peito abrias os olhos e fixamente te fixavas nos meus. E destes dois pares de olhos castanhos correram rios de palavras que mudamente te fui largando e oferecendo, como tu oferecias as tuas que ainda não conseguias balbuciar.
Eram indevassáveis esses nossos momentos. Tão indevassáveis que o tempo parava ali só para te poder admirar. E como eras lindo. Perfeito. Sereno. Tranquilo. E como tinha medo de te perder. Como me angustiava o futuro. Do quanto o queria mudar para tudo se te tornar fácil e cresceres para a Vida.
E foi aí, nessas paragens, que fui sentido o teu crescer e o quanto te foste tornando cada vez menos nós e cada vez mais tu e eu. A ligação, essa, cresceu, tal como as cumplicidades e as discordâncias.
Hoje vejo-te como um homem pequenino que, para além dos olhos castanhos, herdou de mim a sensibilidade e a força de viver.
E hoje, ainda te digo também: tenho tantas saudades do passado e outras tantas do futuro.

4 comentários:

Nemo de Portugal disse...

Parabéns.

Kaotica disse...

Olá Eva

Vinha retribuir a visita e as palavras amáveis mas claro que não pude deixar de ler o teu texto sobre a tua relação com o Afonso e de reconhecer cada sensação como só as mães sabem reconhecer.
Desejo muita saúde para mãe e filho.
Também reparei no Tom Waits e no José Mário Branco e no Kaos aí ao lado, nas preferências. Temos definitivamente muitas coisas boas em comum, o que é maravilhoso!

Abraço!

Maria disse...

Que maravilha de texto......

Um abraço

Luis Eme disse...

lindo o teu amor de mãe...

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