Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados,
fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs,
convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer:
"Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo,
fatos escuros, olhos de lua de cerimónia,
viríamos todos assistir à despedida.
Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio."Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo...
tão leve... tão sutil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de Outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
5 comentários:
pois devia sim!! que gaita morrer destas maneiras... tão prosaicas, tão violentas, tão degradantes e por vezes tão fora do contexto.que bela maneira de viajar para o outro lado :9 um xi muito agradecido por este texto... e por esta ideia.
Vamos a votos ???:::)))
maria de são pedro
São assim os blogs: do Nothingandall cheguei ao fliscorno e deste ao Miblogamucho.
Parabéns, Eva, por tão preciosas selecções. Já coloquei nos Favoritos para mais leitura nos próximos tempos.
Uma pequena sugestão: coloque os habituais parêntesis iniciais de JGF: (Na morte de Manuela Porto). Um grande professor de português que tive na Escola Comercial Oliveira Martins, ia do Porto a Lisboa de propósito ouvir Manuela Porto (1908-1950) dizer poesia, "incomparável".
Abraço,
Rui
pois devia...
É uma ideia que me agrada a do : " ritual do Grande Desfazer"
Ou uma coisa tipo os Indios, sentavamos todos à volta de uma fogueira contávamos histórias engraçadas e depois um de nós partia numa nuvem de fumo. :)
Kisses
Passei para deixar um prémio (http://opafuncio.blogspot.com/2009/01/prmio-dardos.html) e eis este belo poema. Pensei: que bela ideia a deste prémio, que boa ideia a minha de o dar a quem o dou!
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