Sem dizer o fogo – vou para ele. Sem enunciar as pedras, sei que as piso – duramente, são pedras e não são ervas. O vento é fresco: sei que é vento, mas sabe-me a fresco ao mesmo tempo que a vento. Tudo o que sei, já lá está, mas não estão os meus passos nem os meus braços. Por isso caminho, caminho porque há um intervalo entre tudo e eu, e nesse intervalo caminho e descubro o meu caminho.

Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus passos e o meu próprio caminho. E com as palavras de vento e de pedras, invento o vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.

Caminho um caminho de palavras
(porque me deram o sol)
e por esse caminho me ligo ao sol
e pelo sol me ligo a mim
E porque a noite não tem limites
alargo o dia e faço-me dia
e faço-me sol porque o sol existe
Mas a noite existe e a palavra sabe-o.

António Ramos Rosa in O Rosto da Terra
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2 comentários:

Cleopatra disse...

O António Ramos Rosa escreve muito bem.
Não há dúvida...

E de quem é o texto anterior?--
É que também está muito bem escrito...
Gostei..

Posso gostar?

E ...as rosas???

Eva disse...

Quanto ao anterior é de João Cabral de Melo Neto, um poeta brasileiro com vasta obra publicada. A sua obra mais conhecida em Portugal é
"Morte e Vida Severina" de que já deve ter ouvido falar.
Aqui vai um link:
http://www.releituras.com/joaocabral_bio.asp

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