Porque a vida é rendonda, por vezes os momentos repetem-se.
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Hoje caiu-me uma frase no colo.
Vinha sozinha. Desacompanhada de todas a outras que me povoavam o pensamento.
Ao princípio assustei-me.
Uma frase assim sozinha não fazia muito sentido.
Uma frase assim tão grande e ali caída, realmente, não fazia nenhum sentido.
Mais atentamente olhei-a e tentei descodificá-la.
Li-a pausadamente como que a sorver cada palavra que a compunha.
Encontrei um verbo: o Querer. Logo mais à frente estava outro: agora era o Mudar. E ainda outro: o Desejar.
Pelo meio andavam uns adjectivos, mais uns substantivos e ainda uns tantos nomes.
Peguei-lhe numa ponta e tentei levantá-la do colo para a colocar perto dos olhos.
Ops!
Palavra atrás de palavra foi caindo da frase, fazendo pufff conforme iam tocando na mesa.
Mais uma vez espantada fiquei a olhar e a lamentar a minha proverbial inabilidade para lidar com frases e palavras.
Uma amálgama de palavras repousavam agora ao monte ao lado do café que me acompanhava.
E agora?
Como é que vou descodificar isto?
Como é que vou perceber porque é que esta frase se quis soltar das outras que me povoavam o pensamento?
Será que era mesmo importante para se fazer notar?
Bem, acho que não vai ser fácil descobrir.Naquela leitura apressada tinha-me limitado a ver as palavras e não a conjugá-las umas com as outras para fazerem o tal sentido que procurava agora.
A solução era montar tudo, como se de um puzzle se tratasse, procurando o sentido que a lógica do momento permitia.
Comecei pelos verbos. Pareciam-me os mais luminosos e os mais fáceis de escolher no meio de tanta palavra.
Primeiro peguei no Querer, logo a seguir apanhei o Desejar, depois foi a vez do Mudar, logo a seguir do Partilhar, depois o Sonhar, o Ter, seguiu-se o Tirar e por fim aquele me parecia mais descabido ali: o Perder.
Na outra ponta da mesa fui guardando alguns substantivos, nomes, pronomes, adjectivos e conjunções, para os poder ir tirando para juntar aos verbos conforme me fazia mais sentido.
Era um jogo de paciência que ali me esperava.
Tentativa atrás de tentativa, a ideia que tinha é que os verbos não cabiam com as palavras guardadas no outro canto.
O querer e o desejar eram os mais fortes de todos, dizia-me o pensamento.
E era ali, que entrava o pronome que mais se repetia. Eras Tu que queria e desejava mesmo.
E seria ali que o perder se encaixava?
Será que era um querer que de tanto querer já não quero mais?
Ou era o Querer e o Tu que não se conjugavam com o Eu?
Ou será que o Desejar tanto o Mudar não tornaria o gosto do Querer - do querer-te - aquele Desejar imenso, numa coisa quase irreal onde só cabia
Eu?
Ou será que é o Ter o que se quer sem nunca o Ter realmente – nunca o Ter pela alma - que ali faziam todo o sentido?
Que confusão reinava ali!
Voltei a olhar o monte das palavras e logo ali descobri uma em que não tinha reparado ainda: Futuro.
E aí foi mais fácil conjugar tudo.
Outros quereres se abriram na esperança de outros teres que ainda não se desejam, nem se sonham, porque o Futuro não se conjuga, para já, com o Conhecer, o Querer, o Sonhar e o Partilhar.
(Caldas da Rainha, 5 de Abril de 2006)